segunda-feira, 23 de março de 2009

Primeiro amor III

É fácil saber se um amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor, o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. Não há outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo.

Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal só porque acaba. Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda em baixo.
O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói - porque parece que vai acabar de repente. E o primeiro amor dói sempre demais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte um único bocadinho de nós. Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo. Fica tudo ocupado. O primeiro amor ocupa tudo. É inobservável. É difícil sequer reflectir sobre ele. O primeiro amor leva tudo e não deixa nada.
Diz-se que não há amor como o primeiro e é verdade. Há amores maiores, amores melhores, amores mais bem pensados e apaixonadamente vividos. Há amores mais duradouros. Quase todos. Mas não há amor como o primeiro. É o único que estraga o coração e que o deixa estragado.
É como uma criança que põe os dedos dentro de uma tomada eléctrica. É esse o choque, a surpresa «Meu Deus! Como pode ser!» do primeiro amor. Os outros amores poderão ser mais úteis, até mais bonitos, mas são como ligar electrodomésticos à corrente. Este amor mói-nos o juízo como a Moulinex mói café. Aquele amor deixa-nos cozidos por dentro e com suores frios por fora, tal e qual num micro-ondas. Mas o «Zing!» inicial, o tremor perigoso que se nos enfia por baixo das unhas e dá quatro mil voltas ao corpo, naquele micro-segundo de electricidade que nos calhou, só acontece no primeiro amor.
O primeiro beijo é sempre uma confusão. Está tudo a andar à volta e não se consegue parar. A outra pessoa assalta-nos e deixa-nos tontos, isto apesar de ser tão tímida e inepta como nós. E os nomes dos nossos primeiros amores? Os nomes doem. Parecem minúsculos milagres. Cada vez que se pronunciam, rebenta um pequeno terramoto no equador. E as mãos? Quando a mão entra na mão de quem se ama e se sente aquele exagero de volts e de pele, a única resposta sensata é o assassínio, o exílio, o suicídio. Nada fica de fora. O mundo é uma conspiração cinzenta de amores em segunda mão. Nada é puro fora daquelas mãos. O tesouro está a arder, as pessoas estão a morrer, os olhos cheios de luz estão a cegar, mas o primeiro amor é também, e sem dúvida, o primeiro amor do mundo.
O primeiro amor é aquele que não se limita a esgotar a disposição sentimental para os amores seguintes: quer esgotá-la. Depois dele, ou depois dela, os olhos e os braços e os lábios deixam de ter qualquer utilidade ou interesse. As outras pessoas - por muito bonitas e fascinantes que sejam - metem-nos nojo. Só no primeiro amor.
Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor - é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de poder-mos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltamos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.
Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer «Alto-e-pára-o-baile», amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer. Não tem nada a ver com a vida. Pertence a um mundo que só tem duas cores - o preto-preto feito de todos os tons pretos do planeta e o branco-branco feito de todas as cores do arco-íris, todas a correr umas para as outras.
Podem ficar com a ternura dos 40 e com a loucura dos 30 e com a frescura dos 20 - não outro amor como o doentio, fechado-no-quarto, o amor do armário, com uma nesga de porta que dá para o Paraíso, o amor delirante de ter sempre a boca cheia de coração e não conseguir dizer outra coisa com coisa, nem falar, nem pedir para sair, nem sequer confessar: «Adeus Mariana - desta vez é que me vou mesmo suicidar.» Podem ficar (e que remédio têm) com o savoir-faire e os fait-divers e o «quero com vista pró mar se ainda houver». Não há paz de alma, nem soalheira pachorra de cafunés com champagne, que valha a guerra do primeiro amor, a única em que toda a gente morre e ninguém fica para contar como foi.
Não há regras para gerir o primeiro amor. Se fosse possível ser gerido, ser previsto, ser agendado, ser cuidado, não seria primeiro. A única regra é: Não pensar, não resistir, não duvidar. Como acontece em todas as tragédias, o primeiro amor sofre-se principalmente por não continuar. Anos mais tarde, ainda se sonha retomá-lo, reconquistá-lo, acrescentar um último capítulo mais feliz ou mais arrumado. Mas não pode ser. O primeiro amor é o único milagre da nossa vida - e não há milagres em segunda mão. É tão separado do resto como se fosse uma primeira vida. Depois do primeiro amor, morre-se. Quando se renasce há uma ressaca. É um misto de «Livra! Ainda bem que já acabou!» e de «Mas o que é isto? Para onde é que foi?».
Os outros amores são maiores, são mais verdadeiros, respeitam mais as personalidades, são mais construtivos - são tudo aquilo que se quiser. Mas formam um conjunto entre eles. O segundo e o terceiro e o quarto, por muito diferentes, são mais parecidos. São amores que se conhecem uns aos outros, bebem copos juntos, telefonam-se, combinam ir à Baixa comprar cortinados. O primeiro amor não forma conjunto nenhum. Nem sequer entre os dois amantes - os primeiros, primeiríssimos amantes. Acabam tão separados os dois como o primeiro amor acaba separado dos demais. O amor foi a única coisa que os prendeu e o amor, como toda a gente sabe, não chega para quase nada. É preciso respeito e bláblá, compreensão mútua e muito bláblá, e até uma certa amizade bláblá. Para se fazer uma vida a dois que seja recompensadora e sobretudo bláblá, o amor não chega. Não se vive só dele. Não se come. Não se deixa mobilar. Bláblá e enfim.
Mas é por ser insustentável e irrepetível que o primeiro amor não se esquece. Parece impossível porque foi. Não deu nada do que se quis. Não levou a parte nenhuma. O primeiro amor deveria ser o primeiro e esquecer-se, mas toda a gente sabe, durante o primeiro amor ou depois, que é sempre o último.
Afinal nem é por ser primeiro, nem é por ser amor. A força do primeiro amor vem de queimar - do incêndio incontrolável - todas aquelas ilusões e esperanças, saudades pequenas e sentimentos, que nascem em nós com uma força exagerada e excessiva. Como se queima um campo para crescer plantas nele. Se fôssemos para todos os outros amores com o coração semelhantemente alucinado e confuso, nunca mais seríamos felizes. É essa a tristeza do primeiro amor. Prepara-nos para sermos felizes, limando arestas, queimando energias, esgotando inusitadas pulsões, tornando-nos mais «inteligentes».
É por isso que o primeiro amor fica com a metade mais selvagem e inocente de nós. Seguimos caminho, para outros amores, mais suaves e civilizados, menos exigentes e mais compreensivos. Será por isso que o primeiro amor nunca é o único? Que lindo seria se fosse mesmo. Só para que não houvesse outro.

Miguel Esteves Cardoso - Os Meus Problemas (1988)

Primeiro Amor II

Já o disse em Hiroshima Mon Amour: o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele.Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo. Amar toda a gente, como proclamam algumas pessoas e os cristãos, é embuste. Essas coisas não passam de mentiras. Só se ama uma pessoa de cada vez. Nunca duas ao mesmo tempo.

Marguerite Duras, in "Mundo Exterior

O primeiro AMOR. Os mais belos textos que encontrei pela net...

Naquele tempo éramos felizes. Sabias inventar pássaros multicolores no interior dos meus olhos e sussurrar-me amor, em forma de corações que desenhavas na areia da praia com a polpa macia dos dedos. Mal amanhecia, entravas-me na alma como um raio fulgurante de luz e por lá permanecias, esquecido de ti, até que o dia dava lugar à noite e, no firmamento, uma lua possessiva e enciumada se precipitava, vigilante, sobre nós. Docemente, tecias-me no coração sonhos e promessas com a textura e o sabor do algodão doce.

Eras uma espécie invulgar de mágico. Um ilusionista de afectos e de emoções à flor da pele. Tinhas o raro condão de tudo transformares, em teu redor. À tua passagem, o céu mais tenebroso, tornava-se límpido, o sol mais tímido, sorridente, e tudo o que na natureza, subtilmente, pulsava e respirava, ia ganhando cor, pujança e alegria.

Falavas da vida e das coisas da vida com um entusiasmo tão exultante e contagiante que seria difícil para qualquer um de nós, imaginar, sequer, que um reverso, feito de dor, de tristeza e de pesar te pudesse, algum dia, arrancar de mim pelas raízes, deixando, em teu lugar, um espaço nu e vazio de saudade...

Todas as palavras que proferias eram naturais, delicadas, claras. Jorravam do interior do teu coração com a espontaneidade, a leveza e a simplicidade de quem nada teme, de quem saltita alegre e descontraidamente pelos campos da vida.

Era o tempo das acácias floridas, das suaves fragrâncias a urze e a rosmaninho, do chilreado primaveril dos pássaros, do desabrochar das flores. O tempo do mel a escorrer do interior dos olhos para os lábios e dos primeiros rasgos doces e acidulados da paixão. Um tempo esquecido de pressas, etéreo, quase perdido na perenidade serena de dias longos e risonhos. Um tempo, sempre, recheado de gorjeios infantis, de passeios mão na mão, de beijos ternos em faces afogueadas, de brincadeiras inocentes.

Assim era, o correr dos dias, naquele tempo mágico, de cores garridas. A vida assemelhava-se a um rio transbordante, de águas mornas e cristalinas… E assim poderia ter continuado indefinidamente, até hoje – ou talvez não, quem sabe? - se a morte, essa mulher perversa e fatal, sob a forma de um carro desgovernado, não te apanhasse desprevenido na primeira curva do destino e não te empurrasse, de um modo abrupto e cruel contra um muro, roubando-te, definitivamente de mim, num belo dia de sol, ao entardecer!

Tinhas a ingenuidade generosa dos 15 anos, um rosto perfeito de anjo – onde todos os teus sonhos e os meus se perfilavam – um sorriso ameno e doce, e os olhos verdes mais lindos e ternos que, até hoje, encontrei…

(In “Ilhas de Solidão – Estórias da Vida de Uns e Outros”)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Destroçada.........

Quem não ficaria?
Descobrir que eu fiz de tudo para te esquecer, incluindo casar me sem amor...
Descobrir que sofri para te esquecer, descobrir que sofri por pensar que não me amavas, que não me querias, e afinal foi tudo um grande equivoco....
Afinal tu e eu sofremos em doses iguais e ainda hoje sonhamos com esse amor, e com o perfume que ele nos deixou na memória..
Ligaste-me ontem, de novo, quase um ano depois... Eu entendo...tentamos mas não conseguimos, não é?
Fiquei com quinze anos de novo. A tua voz.... linda....
Choraste , eu sei.... disseste-mo mas eu senti-o antes mesmo de o confessares..
Quero ver-te, estar contigo....
quero beijar-te , amar-te,... preencher o vazio que deixas-te em mim..
Ainda te adoro como quando tinha 15 anos
E tenho 42!!

terça-feira, 17 de março de 2009

Sinto-me só

Dias e dias que passam sem grandes novidades...eu sinto -me tão só tão só que é dificil colocar isso aqui em letras ... E vivo rodeada de gente, de gente que vai e vem, ao ritmo das horas e dos minutos.
Tenho pena de mim... Deixei fugir os meus sonhos por ai.... deixei fugir o teu amor por mim, mas o meu amor por ti ficou em mim, como uma ferida que seca devagar, mas de vez em quando entra em ruptura e dela saiem coisas que doem, demais , demais para mim.
tento fugir à solidão, mas caio sempre em algum lugar da memória onde estás tu... ou uma música que me faz recordar-te, ou um perfume, ou um lugar.
Nâo consegui, após vinte anos, tirar-te de mim.... tentei refazer o que restava da vida, daquela que não valorizei, porque deixei que outros pensassem e tomassem as direcções que eles queriam , e não as que eu dolorosamente fui perdendo.
Nada nem ninguém me voltou a perfumar como tu, na juventude dos teus quinze anos e dos meus... éramos tão ingénuos e hoje somos dois seres que fingem não se ver, mas que secretamente sonham em se reencontrarem, e fazerem o que tão infantilmente desejam... beijarem-se... apenas isso....um beijo.....
Paredes do tempo

sábado, 11 de outubro de 2008

Sábado à noite

Sabado à noite.....
Sinto-me só, tão só.....
Ligo a tv, o rádio e o pc
Continuo só, tão só
Lembrei-me de ti
Não faz mal, pois não?
Deixei de viver, de sorrir, de sonhar...
Mas continuo o sentir
Que um dia, um dia..
Um dia estarei aí contigo
Só tu me fazes sorrir
Só tu me fazes cantar
Perfumas a minha alma
Alegras o meu olhar
Alivias a minha dor
Sem ti a vida é escura, triste
È por isso que estou só, tão só


Bolota Estevas

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Se um dia

Se um dia me encontrares numa rua da vila,
olha bem para mim!
E lembra-te que fui eu quem mais te amou
Fui eu que tudo perdi por ti
Fui eu que te perdi.....
Ainda espero por ti ....
À noite...............
As noites que eu reclamo para mim.
São minhas as noites, todas
As que choro por ti.....
As que choro sem ti ...
As que finalmente sinto que não vens...
E se um dia me encontrares por aí...
Não fujas!
Lembra-te que tanto te dei
Lembra-te do nada que me deste
E do tudo que eu esperei, a vida toda....
Sabes?
Não valeu a pena amar-te
De nada serviu esperar-te
Porque o vento quando grita nos meus sonhos,
vem só, abandonado, frio de afectos....
Um dia vais sentir este vento de que te falo e depois
Depois quererás encontrar -me nas ruas da vila, da cidade, do país ou do planeta
Mas, nesse dia, não haverá mais eu e a tua busca será infecunda.
Será tarde demais!
Para mim, para ti e para o vento.
E duas vidas destroçadas ao vento.....

alebana, numa noite de vento
Novembro 2006